Na linha do que eu acredito ser o Parto Natural (embora esta Obstetra não defenda o parto em casa) tenho uma profunda admiração pelo trabalho desta GO. Transcrevo esta entrevista no sentido de vos ajudar a tirar algumas dúvidas que possam existir nesta matéria e vos explicar o porquê de eu achar que o acompanhamento psicológico à grávida é tão ou mais importante ainda do que o acompanhamento físico. É notável a humildade e o sentido de presença desta Mulher.
Um Beijinho a todas.
"Quem é Radmila Jovanovic
Nasceu na antiga Jugoslávia, em 1959. Partiu para a Alemanha, com a família, depois de completar o ensino primário. Após a queda do muro de Berlim, já casada com um português, rumou a Portugal. Apesar do divórcio, decidiu ficar. «Gosto muito do país. Sei que estou no sítio certo», diz. Foi já em Portugal que terminou a especialidade em Ginecologia e Obstetrícia, na Maternidade Alfredo da Costa, depois de se ter licenciado e doutorado em Berlim. Passou ainda pelo Hospital Garcia de Orta. Em 1993, decidiu mudar-se em exclusivo para uma clínica privada, em Cascais, para dedicar-se por inteiro ao parto natural e humanizado. Em 2007, começou a praticar o parto na água. Em 2009, lançou o livro «Parto na água – uma nova consciência familiar». Tem três filhos.
É uma das poucas obstetras em Portugal a defender abertamente o parto natural e o parto na água. Exerce apenas no privado, mas diz que está disponível para trabalhar em hospitais públicos. Radmila Jovanovic quer que as mulheres vão para o parto bem resolvidas. É por isso que, durante a gravidez, esgravata a infância e o casamento de cada uma. No parto, consegue ajudá-las «sem meter a mão», só a falar.
É uma das poucas obstetras em Portugal a defender o parto natural e o parto na água. O que é que sabe que a maioria dos médicos não sabe?
Para chegar ao parto na água é preciso criar uma nova abertura para o parto em si. Ou seja, é preciso permitir – nas situações sem risco, claro – que o parto possa ocorrer de uma forma natural, sem medicações e sem intervenções. Para isso, temos de permitir que a natureza nos ensine como é que decorre um parto por si próprio, nas suas diversas variedades.
Então os médicos não conhecem o parto?
Nós, os médicos, aprendemos a controlar o parto para prevenir possíveis problemas. Encaramos o parto como algo que pode trazer perigo. Perdemos, ao longo dos anos, a confiança no parto como um processo fisiológico e natural. Por isso, vamos ter de reaprender a ver o parto como algo perfeito e completo, com grandes capacidades de auto-regulação. Vamos ter de confiar no processo em si, sem perder de vista o bem-estar da mãe e do bebé. Vamos ter de aceitar que quanto menos intervirmos no processo melhor ele decorre e menos problemas surgem.
Mas nas maternidades portuguesas ainda é a intervenção médica que domina.
Sim, é. Mas, cada vez mais, nota-se uma abertura para mudar. Cada vez mais, começa a haver uma preocupação para que a mulher em trabalho de parto não se sinta hospitalizada, para que se sinta confortável e aconchegada. Cada vez mais, existe a consciência dos benefícios de diminuir técnicas durante o trabalho de parto. Vamos ter de observar e permitir que o parto decorra por si próprio em vez de o querer conduzir. Como é que isso se faz? Por exemplo: não induzindo gravidezes, deixando a mulher entrar em trabalho de parto espontaneamente, sem descolamento de membranas, evitando toques desnecessários e incomodativos. Ou seja, pondo mais em prática as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Desde o início da gravidez, temos de fazer a mulher perceber que o corpo sabe ajudar-se a si próprio, dar-lhe confiança nela mesma. O corpo da mulher fala e nós, médicos e enfermeiros, apenas observamos e ajudamos a encontrar o caminho. Em vez de amedrontá-la e estar sempre a falar-lhe dos perigos, devemos falar-lhe sobre o parto como um processo fisiológico que ocorre por si mesmo e que, em princípio, não necessita de intervenções médicas. E nunca devemos perder de vista a importância deste momento para o casal. Durante a gravidez, devemos trabalhar numa boa vinculação entre futura mãe e futuro pai, ajudando a desenvolver sentimentos de segurança e de confiança. Quanto melhor este trabalho for feito durante a gravidez, maiores serão as probabilidades de o parto ser satisfatório para o casal e mais fácil será a vinculação com a criança.
Se o casal estiver bem, o parto vai correr bem?
Sim. O parto correr bem quer dizer que o casal sentiu que correu bem. O mais importante não é o tipo de parto, o mais importante é que a vivência do parto do casal corresponda ao momento que os dois idealizaram. Uma cesariana pode ser um parto conseguido. A equipa que segue a gravidez – médicos, enfermeiros, doulas, educadores perinatais – tem de trabalhar o aspecto completo psico-físico do parto.
Mas o médico ou o enfermeiro tem de ter a capacidade de perceber se o casal está bem?
Sim, claro. A gravidez é um tempo muito precioso na vida da mulher e na vida do casal. Provoca uma grande transformação e modificação na família e deve receber todo o apoio necessário.
É quase como fazer terapia durante a gravidez.
Nós somos psico-físicos. O psicológico e o físico não se podem separar, muito menos no parto. Uma grande parte das minhas consultas é usada para avaliar a parte emocional da grávida e do casal. Aspectos de relacionamento com a mãe e com o pai também fazem parte. Os conflitos que possam existir são trabalhados durante a gravidez.
O problema é que os médicos têm muitas pacientes e acabam por não ter tempo para esse tipo de atendimento.
Então terão de organizar no seu consultório outra estrutura que tenha tempo para se dedicar a esta área. Porque é preciso ajudar uma mulher grávida a ganhar confiança. Se uma mulher entra no parto com a sensação de força – de eu consigo, o meu corpo sabe fazer – ela vai ter o seu bebé onde quiser, como quiser, sem riscos, sem problemas. Estou convencidíssima disso.
Trabalha apenas num hospital privado, na Clínica de Santo António, mas sei que recentemente acompanhou um parto num hospital público.
Só trabalho no privado, mas se alguém me chamar para apoiar um parto num hospital público eu apoio com muito gosto. Foi-me pedido para ir ao Hospital São Bernardo, em Setúbal, mas o pedido foi feito pela senhora que ia ter o bebé. Fui como acompanhante. Como no parto com água, que foi o caso, não preciso de meter a mão como médica, apenas dou orientação, pude ser só acompanhante e ajudar. Este tipo de parto necessita de muito menos observações e, por isso, deve ser apoiado por enfermeiros ou parteiros, como é habitual em Portugal nos partos normais em hospitais públicos. Não é preciso estar lá um médico.
No São Bernardo a mulher apenas pode estar dentro de água durante o trabalho de parto. A expulsão tem de ser feita fora de água. Existe algum risco acrescido por o bebé nascer na água?
Não. A expulsão não aconteceu na água por haver ainda um grande receio do desconhecido. Há estudos comprovados sobre a segurança da expulsão dentro de água. Existe uma prática de 30 anos, pelo menos, na Europa. Sabe-se que é benéfico para o períneo, para o bem-estar da mulher, para o tecido pélvico, para uma boa vinculação entre mãe, pai e filho, e é aconselhado, inclusive, em várias situações especiais, como parto pélvico, parto de gémeos e outras patologias ligeiras de gravidez. Já há trabalho feito, falta mudar a atitude.
No hospital onde trabalha os partos já acontecem desta forma que temos vindo a falar? Sente que a equipa está confiante e preparada?
Estamos no caminho e a aprender. A equipa está a fazer o esforço de confiar numa nova atitude. Ainda não estamos lá, ainda há muito para fazer. O próximo passo é criar um protocolo aceitável para os hospitais. Este protocolo, inicialmente, não será o ideal, mas será um protocolo de acordo com a realidade hospitalar neste momento. Com o tempo faremos algumas alterações. Temos de dar os passos de forma a não cairmos.
Quantos partos já assistiu nesse hospital?
Não tenho o número certo. Mas a minha experiência de partos na água são 46.
E todos correram bem?
Sim, têm corrido bem. A água é de facto uma experiência agradável para a grávida e para as pessoas que a assistem. Todos os profissionais que viram acontecer um parto na água apaixonaram-se.
No seu livro, fala em parto na água como um parto slow motion. Porquê?
Porque a expulsão da cabeça da criança acontece mais lentamente, mais suavemente e isso permite à futura mãe viver este momento com todos os pormenores. E, óbvio, a dor é diluída. Habitualmente, quanto menos força se faz, mais rapidamente sai o bebé. Depois de a cabeça sair, aguarda-se o tempo necessário para a próxima contracção e, neste intervalo, a mãe tem tempo de comunicar, pela primeira vez, com o seu bebé. Pode vê-lo, tocá-lo. Na próxima contracção, normalmente, sai metade do corpo, e a mãe pode segurá-lo. No primeiro filho, quase sempre, à terceira contracção o bebé está cá fora. Por aquilo que já foi estudado, depois de nascer, o recém-nascido pode estar debaixo de água até 60 segundos.
Qual a melhor altura para a grávida entrar na água?
Quando a mulher quiser. Mas não deve lá ficar mais do que duas horas seguidas. Nem a grávida quer isso, pois fica cansada. A partir do momento em que se sente desconfortável, mesmo que não esteja em trabalho de parto, e mesmo sem médico por perto, pode entrar na água. Quando as mulheres me ligam com dúvidas sobre se estão em trabalho de parto, peço sempre para tomarem um banho de imersão de meia hora em casa. Se depois conseguirem dormir é porque ainda não está na hora. A água serve também para verificar falsos trabalhos de parto.
É fácil prever complicações dentro de água?
As complicações possíveis são iguais às de um parto vaginal em terra. Devem ser cumpridas as regras que mostram um bem-estar materno-fetal e uma situação normal de desenvolvimento de trabalho de parto antes de a mulher entrar na banheira. Daí a importância de criar um protocolo. E, em primeiro lugar, tem de haver vontade da mãe para usar a água durante o parto.
Defende o parto em casa?
Não. Já assisti partos em casa e não sou a favor, pela minha experiência pessoal como obstetra e pela experiência do próprio parto natural. Mesmo se acontecer um caso dramático em mil, esse um é 100 por cento para a família que o viveu. Quando existe de facto uma situação crítica é bom ter uma equipa por perto. Acho que faz mais sentido criar-se uma entidade semelhante a uma casa particular dentro de um hospital. Acho que isso será o futuro.
E acha que isso poderá ser possível em Portugal brevemente?
Sim. Temos falado muito de confiança e eu sou muito confiante. Por alguns convites que recebi recentemente, sei que já existem entidades que desejam criar uma parte de obstetrícia para parto natural dentro do hospital. Creio que poderá arrancar ainda este ano.
E pode adiantar mais alguma coisa?
É um grupo privado, que está bastante interligado com um hospital estatal.
Muitas pessoas falam do parto natural como um passo atrás.
Antigamente, a maioria dos partos acontecia em casa, com muitos riscos para a mulher e para o bebé, inclusive risco de vida. Não havia nenhuma segurança. A resposta foi o desenvolvimento de uma obstetrícia muito tecnocrata. O parto foi mudado exclusivamente para o hospital, tornou-se cada vez mais medicalizado e o médico passou a ter todo o poder sobre o processo A profunda mudança de exigências e expectativas das mulheres acerca do parto criou uma necessidade de redefinição do processo da assistência obstétrica. O nascimento de um bebé, nos dias de hoje, é vivido pela mulher como um importante evento da sua vida. A mulher moderna prefere recorrer a estruturas onde a equipa obstétrica tomará em consideração os seus desejos, permitindo uma maior liberdade do processo e respeitando a sua auto-determinação. O objectivo é o nascimento seguro, mas também mais personalizado e íntimo. Assim, respondendo à pergunta, não é um passo atrás, é apenas um ajustar entre duas situações extremas: a falta de controlo e o controlo absoluto. Ou seja, proporcionar o controlo necessário e saudável.
A epidural foi uma conquista muito grande para as mulheres. Não acha que será difícil convencê-las de que pode ser desnecessária?
A epidural é uma possibilidade de tirar a dor, mas não só a dor. A dor é um sinal do corpo que avisa sobre alguma coisa, que ajuda a ganhar consciências importantes, serve para proteger e não para fazer mal. A percepção da dor é constituída por três partes: um terço de ressentimentos por experiências passadas, um terço de medo da dor e apenas um terço é a dor real. Os dois primeiros terços podem ser retirados, se os trabalharmos durante a gravidez. Se imaginássemos o parto como um processo multifactorial, com factores, dos quais muitos desconhecidos, que se interligam em conjunto, sendo um deles a dor, é fácil entender que ao tirarmos este ou outro factor não sabemos quanto e como estamos a interferir neste sistema tão complexo. Nunca sabemos a 100 por cento o que isto implica no decorrer no trabalho de parto, nem como interfere no complexo processo de adaptação ao exterior do bebé. Não é correcto dizer apenas não é preciso epidural, mas também não se pode banalizar a sua utilização. Temos de explicar que, com a epidural, é necessário haver um controlo da tensão, estar ligada ao soro, ter uma algália, ficar na cama. O parto é retirado à mulher. Vale a pena? É mesmo necessário? Ou podemos aprender a lidar com a dor de outra maneira, fazendo, por exemplo, uma preparação mais adequada? Temos de informar sobre as outras possibilidades de alívio da dor, como por exemplo a utilização da água.
Que mensagem pode deixar às mulheres para não tenham tanto medo do parto?
Confiem na vossa capacidade feminina. Informem-se bem e acreditem que o parto é um processo de crescimento. Tentem viver o parto da forma que o desejam viver, mas não pensem que falharam se não o conseguirem ter. Confiem no acontecimento em si."
Entrevista retirada do site da REvista Pais & Filhos.
(PS - Desculpem o testamento É só mesmo para quem tiver paciência para ele..)
Um Beijinho a todas.
"Quem é Radmila Jovanovic
Nasceu na antiga Jugoslávia, em 1959. Partiu para a Alemanha, com a família, depois de completar o ensino primário. Após a queda do muro de Berlim, já casada com um português, rumou a Portugal. Apesar do divórcio, decidiu ficar. «Gosto muito do país. Sei que estou no sítio certo», diz. Foi já em Portugal que terminou a especialidade em Ginecologia e Obstetrícia, na Maternidade Alfredo da Costa, depois de se ter licenciado e doutorado em Berlim. Passou ainda pelo Hospital Garcia de Orta. Em 1993, decidiu mudar-se em exclusivo para uma clínica privada, em Cascais, para dedicar-se por inteiro ao parto natural e humanizado. Em 2007, começou a praticar o parto na água. Em 2009, lançou o livro «Parto na água – uma nova consciência familiar». Tem três filhos.
É uma das poucas obstetras em Portugal a defender abertamente o parto natural e o parto na água. Exerce apenas no privado, mas diz que está disponível para trabalhar em hospitais públicos. Radmila Jovanovic quer que as mulheres vão para o parto bem resolvidas. É por isso que, durante a gravidez, esgravata a infância e o casamento de cada uma. No parto, consegue ajudá-las «sem meter a mão», só a falar.
É uma das poucas obstetras em Portugal a defender o parto natural e o parto na água. O que é que sabe que a maioria dos médicos não sabe?
Para chegar ao parto na água é preciso criar uma nova abertura para o parto em si. Ou seja, é preciso permitir – nas situações sem risco, claro – que o parto possa ocorrer de uma forma natural, sem medicações e sem intervenções. Para isso, temos de permitir que a natureza nos ensine como é que decorre um parto por si próprio, nas suas diversas variedades.
Então os médicos não conhecem o parto?
Nós, os médicos, aprendemos a controlar o parto para prevenir possíveis problemas. Encaramos o parto como algo que pode trazer perigo. Perdemos, ao longo dos anos, a confiança no parto como um processo fisiológico e natural. Por isso, vamos ter de reaprender a ver o parto como algo perfeito e completo, com grandes capacidades de auto-regulação. Vamos ter de confiar no processo em si, sem perder de vista o bem-estar da mãe e do bebé. Vamos ter de aceitar que quanto menos intervirmos no processo melhor ele decorre e menos problemas surgem.
Mas nas maternidades portuguesas ainda é a intervenção médica que domina.
Sim, é. Mas, cada vez mais, nota-se uma abertura para mudar. Cada vez mais, começa a haver uma preocupação para que a mulher em trabalho de parto não se sinta hospitalizada, para que se sinta confortável e aconchegada. Cada vez mais, existe a consciência dos benefícios de diminuir técnicas durante o trabalho de parto. Vamos ter de observar e permitir que o parto decorra por si próprio em vez de o querer conduzir. Como é que isso se faz? Por exemplo: não induzindo gravidezes, deixando a mulher entrar em trabalho de parto espontaneamente, sem descolamento de membranas, evitando toques desnecessários e incomodativos. Ou seja, pondo mais em prática as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Desde o início da gravidez, temos de fazer a mulher perceber que o corpo sabe ajudar-se a si próprio, dar-lhe confiança nela mesma. O corpo da mulher fala e nós, médicos e enfermeiros, apenas observamos e ajudamos a encontrar o caminho. Em vez de amedrontá-la e estar sempre a falar-lhe dos perigos, devemos falar-lhe sobre o parto como um processo fisiológico que ocorre por si mesmo e que, em princípio, não necessita de intervenções médicas. E nunca devemos perder de vista a importância deste momento para o casal. Durante a gravidez, devemos trabalhar numa boa vinculação entre futura mãe e futuro pai, ajudando a desenvolver sentimentos de segurança e de confiança. Quanto melhor este trabalho for feito durante a gravidez, maiores serão as probabilidades de o parto ser satisfatório para o casal e mais fácil será a vinculação com a criança.
Se o casal estiver bem, o parto vai correr bem?
Sim. O parto correr bem quer dizer que o casal sentiu que correu bem. O mais importante não é o tipo de parto, o mais importante é que a vivência do parto do casal corresponda ao momento que os dois idealizaram. Uma cesariana pode ser um parto conseguido. A equipa que segue a gravidez – médicos, enfermeiros, doulas, educadores perinatais – tem de trabalhar o aspecto completo psico-físico do parto.
Mas o médico ou o enfermeiro tem de ter a capacidade de perceber se o casal está bem?
Sim, claro. A gravidez é um tempo muito precioso na vida da mulher e na vida do casal. Provoca uma grande transformação e modificação na família e deve receber todo o apoio necessário.
É quase como fazer terapia durante a gravidez.
Nós somos psico-físicos. O psicológico e o físico não se podem separar, muito menos no parto. Uma grande parte das minhas consultas é usada para avaliar a parte emocional da grávida e do casal. Aspectos de relacionamento com a mãe e com o pai também fazem parte. Os conflitos que possam existir são trabalhados durante a gravidez.
O problema é que os médicos têm muitas pacientes e acabam por não ter tempo para esse tipo de atendimento.
Então terão de organizar no seu consultório outra estrutura que tenha tempo para se dedicar a esta área. Porque é preciso ajudar uma mulher grávida a ganhar confiança. Se uma mulher entra no parto com a sensação de força – de eu consigo, o meu corpo sabe fazer – ela vai ter o seu bebé onde quiser, como quiser, sem riscos, sem problemas. Estou convencidíssima disso.
Trabalha apenas num hospital privado, na Clínica de Santo António, mas sei que recentemente acompanhou um parto num hospital público.
Só trabalho no privado, mas se alguém me chamar para apoiar um parto num hospital público eu apoio com muito gosto. Foi-me pedido para ir ao Hospital São Bernardo, em Setúbal, mas o pedido foi feito pela senhora que ia ter o bebé. Fui como acompanhante. Como no parto com água, que foi o caso, não preciso de meter a mão como médica, apenas dou orientação, pude ser só acompanhante e ajudar. Este tipo de parto necessita de muito menos observações e, por isso, deve ser apoiado por enfermeiros ou parteiros, como é habitual em Portugal nos partos normais em hospitais públicos. Não é preciso estar lá um médico.
No São Bernardo a mulher apenas pode estar dentro de água durante o trabalho de parto. A expulsão tem de ser feita fora de água. Existe algum risco acrescido por o bebé nascer na água?
Não. A expulsão não aconteceu na água por haver ainda um grande receio do desconhecido. Há estudos comprovados sobre a segurança da expulsão dentro de água. Existe uma prática de 30 anos, pelo menos, na Europa. Sabe-se que é benéfico para o períneo, para o bem-estar da mulher, para o tecido pélvico, para uma boa vinculação entre mãe, pai e filho, e é aconselhado, inclusive, em várias situações especiais, como parto pélvico, parto de gémeos e outras patologias ligeiras de gravidez. Já há trabalho feito, falta mudar a atitude.
No hospital onde trabalha os partos já acontecem desta forma que temos vindo a falar? Sente que a equipa está confiante e preparada?
Estamos no caminho e a aprender. A equipa está a fazer o esforço de confiar numa nova atitude. Ainda não estamos lá, ainda há muito para fazer. O próximo passo é criar um protocolo aceitável para os hospitais. Este protocolo, inicialmente, não será o ideal, mas será um protocolo de acordo com a realidade hospitalar neste momento. Com o tempo faremos algumas alterações. Temos de dar os passos de forma a não cairmos.
Quantos partos já assistiu nesse hospital?
Não tenho o número certo. Mas a minha experiência de partos na água são 46.
E todos correram bem?
Sim, têm corrido bem. A água é de facto uma experiência agradável para a grávida e para as pessoas que a assistem. Todos os profissionais que viram acontecer um parto na água apaixonaram-se.
No seu livro, fala em parto na água como um parto slow motion. Porquê?
Porque a expulsão da cabeça da criança acontece mais lentamente, mais suavemente e isso permite à futura mãe viver este momento com todos os pormenores. E, óbvio, a dor é diluída. Habitualmente, quanto menos força se faz, mais rapidamente sai o bebé. Depois de a cabeça sair, aguarda-se o tempo necessário para a próxima contracção e, neste intervalo, a mãe tem tempo de comunicar, pela primeira vez, com o seu bebé. Pode vê-lo, tocá-lo. Na próxima contracção, normalmente, sai metade do corpo, e a mãe pode segurá-lo. No primeiro filho, quase sempre, à terceira contracção o bebé está cá fora. Por aquilo que já foi estudado, depois de nascer, o recém-nascido pode estar debaixo de água até 60 segundos.
Qual a melhor altura para a grávida entrar na água?
Quando a mulher quiser. Mas não deve lá ficar mais do que duas horas seguidas. Nem a grávida quer isso, pois fica cansada. A partir do momento em que se sente desconfortável, mesmo que não esteja em trabalho de parto, e mesmo sem médico por perto, pode entrar na água. Quando as mulheres me ligam com dúvidas sobre se estão em trabalho de parto, peço sempre para tomarem um banho de imersão de meia hora em casa. Se depois conseguirem dormir é porque ainda não está na hora. A água serve também para verificar falsos trabalhos de parto.
É fácil prever complicações dentro de água?
As complicações possíveis são iguais às de um parto vaginal em terra. Devem ser cumpridas as regras que mostram um bem-estar materno-fetal e uma situação normal de desenvolvimento de trabalho de parto antes de a mulher entrar na banheira. Daí a importância de criar um protocolo. E, em primeiro lugar, tem de haver vontade da mãe para usar a água durante o parto.
Defende o parto em casa?
Não. Já assisti partos em casa e não sou a favor, pela minha experiência pessoal como obstetra e pela experiência do próprio parto natural. Mesmo se acontecer um caso dramático em mil, esse um é 100 por cento para a família que o viveu. Quando existe de facto uma situação crítica é bom ter uma equipa por perto. Acho que faz mais sentido criar-se uma entidade semelhante a uma casa particular dentro de um hospital. Acho que isso será o futuro.
E acha que isso poderá ser possível em Portugal brevemente?
Sim. Temos falado muito de confiança e eu sou muito confiante. Por alguns convites que recebi recentemente, sei que já existem entidades que desejam criar uma parte de obstetrícia para parto natural dentro do hospital. Creio que poderá arrancar ainda este ano.
E pode adiantar mais alguma coisa?
É um grupo privado, que está bastante interligado com um hospital estatal.
Muitas pessoas falam do parto natural como um passo atrás.
Antigamente, a maioria dos partos acontecia em casa, com muitos riscos para a mulher e para o bebé, inclusive risco de vida. Não havia nenhuma segurança. A resposta foi o desenvolvimento de uma obstetrícia muito tecnocrata. O parto foi mudado exclusivamente para o hospital, tornou-se cada vez mais medicalizado e o médico passou a ter todo o poder sobre o processo A profunda mudança de exigências e expectativas das mulheres acerca do parto criou uma necessidade de redefinição do processo da assistência obstétrica. O nascimento de um bebé, nos dias de hoje, é vivido pela mulher como um importante evento da sua vida. A mulher moderna prefere recorrer a estruturas onde a equipa obstétrica tomará em consideração os seus desejos, permitindo uma maior liberdade do processo e respeitando a sua auto-determinação. O objectivo é o nascimento seguro, mas também mais personalizado e íntimo. Assim, respondendo à pergunta, não é um passo atrás, é apenas um ajustar entre duas situações extremas: a falta de controlo e o controlo absoluto. Ou seja, proporcionar o controlo necessário e saudável.
A epidural foi uma conquista muito grande para as mulheres. Não acha que será difícil convencê-las de que pode ser desnecessária?
A epidural é uma possibilidade de tirar a dor, mas não só a dor. A dor é um sinal do corpo que avisa sobre alguma coisa, que ajuda a ganhar consciências importantes, serve para proteger e não para fazer mal. A percepção da dor é constituída por três partes: um terço de ressentimentos por experiências passadas, um terço de medo da dor e apenas um terço é a dor real. Os dois primeiros terços podem ser retirados, se os trabalharmos durante a gravidez. Se imaginássemos o parto como um processo multifactorial, com factores, dos quais muitos desconhecidos, que se interligam em conjunto, sendo um deles a dor, é fácil entender que ao tirarmos este ou outro factor não sabemos quanto e como estamos a interferir neste sistema tão complexo. Nunca sabemos a 100 por cento o que isto implica no decorrer no trabalho de parto, nem como interfere no complexo processo de adaptação ao exterior do bebé. Não é correcto dizer apenas não é preciso epidural, mas também não se pode banalizar a sua utilização. Temos de explicar que, com a epidural, é necessário haver um controlo da tensão, estar ligada ao soro, ter uma algália, ficar na cama. O parto é retirado à mulher. Vale a pena? É mesmo necessário? Ou podemos aprender a lidar com a dor de outra maneira, fazendo, por exemplo, uma preparação mais adequada? Temos de informar sobre as outras possibilidades de alívio da dor, como por exemplo a utilização da água.
Que mensagem pode deixar às mulheres para não tenham tanto medo do parto?
Confiem na vossa capacidade feminina. Informem-se bem e acreditem que o parto é um processo de crescimento. Tentem viver o parto da forma que o desejam viver, mas não pensem que falharam se não o conseguirem ter. Confiem no acontecimento em si."
Entrevista retirada do site da REvista Pais & Filhos.
(PS - Desculpem o testamento É só mesmo para quem tiver paciência para ele..)
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