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«Temos de descomplicar a gravidez e o parto»

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  • «Temos de descomplicar a gravidez e o parto»

    Artigo retirado do site PAIS&FILHOS

    Segunda, 28 Junho 2010





    Ana Campos, obstetra na Maternidade Alfredo da Costa, é a porta-voz do Movimento Nascer Melhor. Criado há um ano, o grupo reúne profissionais de saúde e outros membros da sociedade civil. Juntos, escreveram 10 recomendações para desmistificar o parto e torná-lo menos medicalizado e mais familiar. A PAIS&Filhos não podia deixar de se juntar a este Movimento e participou na reunião em Viana de Castelo, que deu origem aos 10 Princípios de Viana.



    Movimento Nascer Melhor. Nasce-se mal em Portugal?

    Não se nasce mal em Portugal. Neste momento, aquilo que está em debate é se será realmente necessário medicalizar todos os partos, mesmo os de baixo risco, e a possibilidade de dar às mulheres opções para que possam ter o tipo de parto que gostariam. Acho que se nasce bem no nosso país, se pensarmos nas consequências de um parto. Portugal fez uma travessia muito boa em termos de morbilidade/mortalidade materna, fetal e neonatal, que nos coloca no ranking dos melhores centros europeus e internacionais. Para reduzirmos os riscos de mortalidade materna, fetal e neonatal acabamos por tratar todas as mulheres da mesma maneira. Ou seja, medicalizamos as situações de gravidez normal e de parto normal, quando, na realidade, podemos diminuir a medicalização e permitir que as mulheres escolham o que querem e o que não querem.



    Apesar desses bons indicadores, o parto ainda é vivido de forma traumática por muitas mulheres.

    Acho que o parto é vivido pelas mulheres – e isso é o pior – como algo que elas não conhecem. Já vigiam muito bem a sua gravidez, mas entram em trabalho de parto sem saberem o que se vai passar. E isso, na minha opinião, pode levar a experiências traumatizantes. As mulheres não sabem a duração de um trabalho de parto, não sabem que vão ter dores…



    Não sabem que vão ter dores?

    Sabem que vão ter dores, mas não sabem como vão ter dores e quanto vão ter dores. É por isso que a preparação para o parto é tão importante. Durante a gravidez deve dar-se informação para o parto, por exemplo, sobre a duração do parto e os modos de alívio da dor. O trabalho de parto é doloroso, mas existem várias hipóteses de alívio de dor: exercícios de relaxamento, posicionamento, deambulação, etc. E medicamentos, claro. Além disso, a mulher tem de saber que um trabalho de parto que dura, na fase activa, dez ou 11 horas é um trabalho de parto normal. As mulheres não estão preparadas para isso, pensam que entram em trabalho de parto e daí a pouco nasce a criança. Não são os dois ou três dias que as nossas avós tinham, mas também não são as duas ou três horas que muitas mulheres pensam. Pode acontecer, mas nem sempre.

    São estes os aspectos que me parecem mais importantes quando se fala em experiências traumatizantes, porque quando perguntamos a uma mulher o que espera de um parto, o que se percebe é que ela pouco pensou sobre o que se vai passar com ela. Quer apenas que nasça um bebé saudável e que ela esteja bem.



    Mas, mesmo quando uma mulher está bem preparada, chega ao hospital e não se pode mexer, muitas vezes, não tem aquele ambiente carinhoso que é falado nos Princípios de Viana, o que faz com que não consiga relaxar, com que se canse mais depressa e acabe por não ter uma experiência boa. Isto tem a ver com a forma como se atende o parto.

    Voltamos à primeira questão. A maior parte dos hospitais preparou-se para tratar todos os partos da mesma maneira. Neste momento, estamos numa fase de reflexão, para tentar que nas situações de baixo risco as mulheres não sejam sujeitas às atitudes médicas que as situações de risco precisam, como estar ligada ao soro ou ter de ficar deitada. As próprias arquitecturas hospitalares não estão propriamente preparadas para isso. Os quartos de parto estão cheios de máquinas e a mulher fica um pouco assustada com aquilo. As máquinas podem estar lá, mas não precisam de estar tão à vista e é possível prescindir delas nas situações em que o parto evolui normalmente.



    Qual o Princípio de Viana que considera mais importante ou mais urgente?

    Logo os primeiros são muito importantes. Primeiro: tornar as grávidas dignas de respeito e dignidade. Segundo: saber que a forma mais segura de nascer numa gravidez normal é de parto espontâneo. Neste aspecto, é preciso educar muito as mulheres. Muitas vezes, pensam que às 37 semanas o bebé já pode nascer. Mas sabe-se, estatisticamente, que, na maior parte das gravidezes, o bebé nasce entre as 39 e as 41 semanas. Apesar de às 37 semanas o bebé ser considerado de termo, não é obrigatório que nasça logo. E as mulheres chegam às 37 semanas e acham que já estão fartas, que já não se conseguem mexer e querem é que o bebé nasça.



    Tem falado muito da importância da preparação para o parto. A que se faz nos centros de saúde e nos hospitais públicos é adequada e suficiente?

    Essa é uma das tarefas fundamentais da Direcção-Geral de Saúde: enquadrar no atendimento durante a gravidez a informação sobre o parto. Para além das normas e circulares que existem sobre a vigilância de uma gravidez, é preciso que se programem acções de formação para grávidas nos centros de saúde. Estas acções deverão ser realizadas por enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia que tenham formação para tal.



    Os Princípios de Viana vão muito ao encontro das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o parto. Porque é que estas recomendações são tão ignoradas?

    Acho que os países europeus quase que consideram que essas recomendações se destinam àquilo que são os níveis mínimos necessários para adequar a saúde a toda a gente. Todas as normas foram utilizadas, de facto, pelos países menos desenvolvidos e os países desenvolvidos quiseram ultrapassar essas normas, achando que seriam para ser cumpridas apenas quando os cuidado médicos fossem os mínimos. Um erro que é assumido actualmente. Complicou-se a gravidez e o parto. Agora temos de descomplicar. São os nórdicos que mais cumprem as normas da OMS. E em relação à vigilância da gravidez há muito que simplificaram e consideram que a gravidez pode ser seguida por enfermeiros especialistas. Em Portugal, isso só foi definido num diploma recente e na prática, pelo que sei, nenhum hospital está a aceitar que a gravidez de baixo risco seja seguida por um enfermeiro.



    E quando é que os médicos vão deixar o parto para as parteiras?

    O parto começou por ser das parteiras, depois vieram os médicos, especializaram-se, e tiraram o parto às parteiras. Agora temos de voltar ao início. Temos de considerar o que é baixo risco e permitir que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica façam esses partos e só os partos de risco sejam feitos por médicos.



    Ainda em relação às recomendações da OMS, a organização defende a auscultação fetal intermitente para os partos de baixo risco. Nos Princípios de Viana não há referência a CTG ou a auscultação fetal intermitente.

    A auscultação fetal intermitente exige à partida uma relação de um para um, ou seja, um médico ou enfermeiro para uma grávida. Em Portugal estamos longe de ter capacidade para ter uma relação de um para um. Por isso, acho que essa situação não será possível nos próximos tempos. Por outro lado, continua em discussão se a auscultação fetal intermitente tem, na realidade, as mesmas vantagens de um cardiotocograma [CTG]. A relação entre os batimentos cardíacos do bebé e a intensidade das contracções só pode ser dada pelo CTG. Já existem cardiotogramas móveis, mas os hospitais têm os seus modelos, que custaram muito dinheiro, e não vão ter hipóteses de modificar o seu parque a curto prazo. Com o CTG normal, os movimentos ficam um pouco limitados, mas as grávidas podem levantar-se e andar no perímetro que a extensão dos fios permite.



    O parto natural ou não medicalizado, como é defendido pelo Movimento, está muitas vezes associado ao parto em casa.

    Pessoalmente, não defendo o parto em casa e acho que, neste momento, em Portugal o parto em casa é um risco. Qualquer parto pode transformar-se num parto de risco a certa altura e nós, em Portugal, não temos uma rede de profissionais com credenciação para fazerem partos no domicílio. Nos países em que o parto no domicílio é uma realidade, o serviço nacional de saúde possui uma rede de enfermeiros especialistas credenciados, com formação para o parto no domicílio. Assim, podem ser responsabilizados por aquilo que acontecer. Além disso, o serviço nacional de saúde também tem resposta imediata se as condições do parto se alterarem a qualquer momento. Em Portugal não existe nada disto. O que acho que é preciso é encontrar nos hospitais situações de humanização e espaços para a possibilidade de realização de parto natural, com acesso rápido a uma unidade de diferenciação, seja um bloco operatório ou uma sala onde se possa fazer um fórceps ou uma ventosa.



    Um centro de nascimento.

    Sim, dentro de uma estrutura hospitalar. Penso que este assunto também vai ser objecto de reflexão por parte da DGS, que provavelmente ditará em breve as suas normas para os centros de nascimento.



    Estes 10 Princípios podiam servir de guidelines para o parto?

    Acho que sim. É importante que existam. São princípios, por isso são muito menos ambiciosos do que guidelines. Para serem guidelines precisariam de outro tipo de definição: quando é que um parto deixa de ser normal, que situações é que podem caber no parto normal. Mas acho que é um primeiro passo importante para desmistificar o parto e chamar a atenção para determinadas coisas. Posso dizer que foi assinado recentemente entre a DGS, a Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras e outras estruturas, um documento um pouco mais pormenorizado do que este sobre os critérios para o parto normal. Vai ser tornado público em breve.



    O grupo fundador do Movimento tem médicos enfermeiros, doulas e outros. É fácil juntar tantos grupos diferentes e chegarem a consenso?

    É fácil desde que as pessoas não tenham conceitos muito rígidos e desde que se estabeleça à partida aquilo que estão dispostas a aceitar e os limites. Estes Princípios são consensuais, não se fala nada de parto no domicílio nem de monitorização cardiotográfica porque não é consensual.



    Qual é o próximo passo do Movimento?

    Quer continuar a tornar-se conhecido, nomeadamente através do site, e promover acções que dêem a conhecer os seus objectivos. Não pretendemos ser pioneiros em nada, até porque simultaneamente surgiram outras iniciativas semelhantes. Para mim, o mais importante dos Princípios de Viana é levar a discussão ao grande público, levar as pessoas a pensarem duas vezes sobre o que é que querem de um parto.







    Os 10 princípios de Viana



    1. Todas as grávidas e acompanhantes têm o direito de ser tratadas com respeito e dignidade, independentemente das suas convicções e opções.



    2. Promover um ambiente carinhoso, em que é permitido à grávida expressar a sua forma de ser e de vivenciar esse momento único e tão importante da sua vida, bem como ver respeitada a sua privacidade e conforto, são aspectos essenciais dos cuidados intraparto.



    3. O trabalho de parto de início espontâneo que culmina num parto eutócico (parto vaginal sem intervenções) e decorre entre as 37 e as 42 semanas, é actualmente a forma mais segura de nascimento.



    4. O recurso ao parto induzido (provocado artificialmente) e à cesariana sem qualquer motivo de saúde, mas apenas por conveniência dos envolvidos, está associado a maiores riscos e é considerado pela comunidade científica internacional como uma prática injustificada.



    5. O parto é um processo natural que, na maioria dos casos, apenas necessita da vigilância e apoio por profissionais de saúde. Nos casos de baixo risco estes deverão, preferencialmente, ser prestados por um enfermeiro especialista de saúde materna e obstétrica/parteira.



    6. Existem casos, mesmo considerados de baixo risco, em que são necessárias intervenções de saúde para evitar complicações graves decorrentes do parto. É fundamental assegurar em todos os casos o acesso a tratamentos de urgência qualificados e baseados na evidência científica.



    7. A evidência científica actual não apoia como intervenções de rotina nas parturientes de baixo risco: a tricotomia perineal (corte dos pêlos púbicos); a utilização sistemática de clisteres; a utilização sistemática de soros, ocitocina e a amniotomia (rotura artificial da bolsa de águas) no trabalho de parto; a restrição da alimentação líquida; a restrição dos movimentos; a restrição da posição do parto; a episiotomia sistemática (corte dos tecidos da vagina na altura do nascimento em todas as parturientes); a aspiração sistemática das vias respiratórias no recém-nascido que nasce com boa vitalidade.



    8. A evidência científica actual aconselha como opções benéficas durante o parto nas parturientes de baixo risco a arquitectura não-hospitalar das salas de parto e o apoio contínuo durante o trabalho de parto. Todas as grávidas devem poder contar com o recurso a métodos de alívio da dor durante o trabalho de parto, assegurando-se a disponibilidade dos mesmos assim que a mãe os solicite e o profissional de saúde entenda adequado. O leque de opções neste âmbito deve compreender os métodos farmacológicos (incluindo a analgesia epidural ou raquidiana) e os não farmacológicos (incluindo o banho de imersão/chuveiro durante a fase de dilatação, ou a simples deambulação), privilegiando-se estes últimos como intervenções de primeira linha nas grávidas de baixo risco.



    9. As grávidas têm direito a receber informações completas, correctas e não tendenciosas, baseadas na melhor evidência científica disponível sobre riscos, benefícios e alternativas disponíveis para os cuidados de saúde, de forma a tomarem uma decisão informada e, se entenderem, mudarem de opinião relativamente às suas escolhas. É necessário fomentar a avaliação e divulgação dos principais indicadores estatísticos associados ao parto por cada instituição de saúde.



    10. O parto é um evento familiar, onde a possibilidade da grávida poder escolher a presença permanente de elementos próximos e de poder contactar precocemente com a restante família são aspectos essenciais para a vivência do momento.







    Movimento na Net



    Visite a página na morada: http://movimentonascermelhor.webnode.com e junte-se ao Movimento, subscrevendo os 10 Princípios de Viana
    Patrícia Paiva
    - Educadora Perinatal
    - Conselheira em Aleitamento Materno
    - Professora Ginástica para Bebés

    BLOG Perfeito, Perfeito é MAMAR AO PEITO! ; BLOG Amigo dos Bebés ; SITE Mamar ao Peito; Preparação para o Parto - Margem Sul

  • #2
    RE: «Temos de descomplicar a gravidez e o parto»

    Este é o caminho a seguir, a gravidez não é uma doença e o parto não é um acidente. Felizmente é o modelo q eu conheço.

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    • #3
      RE: «Temos de descomplicar a gravidez e o parto»

      Sabem o que me lembrei ao ler o artigo? De uma coisa dita pela enf.ª da PPP, que era do género:



      "Em Portugal, na maioria dos sítios, ainda se trata o parto como uma situação de potencial perigo para a mamã e bebé por isso, se tiverem uma gravidez de baixo risco, tentem aguentar por casa o máximo que aguentarem ou em caso de ruptura de bolsa de água ou contracções muito próximas"



      Principalmente a primeira parte, em relação a parto como uma potencial complicação, acho que descreve bem a forma como a maioria dos profissionais de saúde e mamãs vêm a hora de pôr a criança no mundo (com excepções, obviamente - e felizmente também!). Uma das coisas que mais me irrita ouvir é quando digo que quero primeiro ver como reajo á dor e depois decidir se quero epidural há sempre alguém a dizer "ui!!! Mas olha que não vais aguentar as dores, és doida ou quê?!". Faz-me pensar muitas vezes na minha mãe e nas minhas avós e todas as outras mulheres antes delas... Como será que elas aguentavam parir nessa altura?! :hehe:



      Gostava de ver a minha vontade respeitada mas irei para um hospital parir... Ou seja, já sei que há uma probabilidade grande de ter de bater o pé a alguém... Vamos lá ver, né?

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      • #4
        RE: «Temos de descomplicar a gravidez e o parto»

        Infelizmente esta é a realidade portuguesa e que traduz provavelmente o nosso nível cultural. Tive o meu parto na maternidade júlio diniz, infelizmente, e desejo nunca mais lá voltar. Duma instituição que é lider em Portugal em termos de parto, esperava algo mais, esperava que soubessem o que é um plano de parto, esperava que não me tivessem tentado romper 'as membranas' sem o meu consentimento, esperava que me tivessem permitido repousar e relaxar quando, depois do saco amniótico ter rompido, ainda não tinha contracções e era tão importante relaxar para entrar em trabalho de parto. Esperava que não me tivessem 'forçado' (obrigado) a fazer uma cesariana, mas que me tivessem dado o tempo para entrar em trabalho de parto. Esperava que não se tivessem enganado a pesar o bebé, forçando-lhe um biberão enorme pela goela abaixo sem necessidade. Esperava encontrar pessoas inteligentes e informadas e não velhas do restelo. Por tudo isto vejo a maternidade júlio diniz como um local desagradável, como um local antiquado, mas que no fundo cumpre a sua função de trazer ao mundo bebés. Sem dúvida. Faz esse trabalho muito bem. É o modo como se faz isso que questiono, como mulher, como mãe, como alguém que sabe que o parto natural tem complicações naturais associadas mas que acredita que é a coisa mais linda e natural do mundo. Acho que se as futuras mães quisessem, a maternidade júlio diniz podia ser diferente. Mas são as próprias mães que não querem, que preferem assim, a segurança da cesariana, a ausência de dor da epidural, a verdade absoluta da voz dos médicos e das enfermeiras. Em vez de ter de pensar, de ter de sentir, de ter de assumir tudo o que acarreta o ser mãe. A des-responsabilização.

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