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Vínculo

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  • Vínculo

    Texto lindo, lindo, lindo escrito por Constança Ferreira e publicado no fantástico blog "O Bebé Filósofo":





    "terça-feira, 16 de Março de 2010

    Vínculo



    Ele nasceu. E quando o encostaram a mim, ele abriu a mãozinha e encostou-a em cima do meu olho, como quem diz “Cheguei. Podes descansar”.



    Nos dias seguintes, as enfermeiras da maternidade entravam no quarto para o encontrarem quase sempre ao colo. “Ai que esse bebé vai ficar tão estragadinho”, vaticinavam. Eu respondia “Não se preocupe que ele vai comigo, não o deixo cá”. Elas sorriam, a pensar “coitadinha nem sabe no que se está a meter…”.



    Mas eu sabia. Sabia sim.



    Na minha segunda gravidez tudo se passou a correr. Não tive muito tempo para grandes contemplações ou festinhas na barriga. Passei o tempo a correr, a trabalhar, a cuidar da mais velha. Orgulhosa por estar a dar conta de tudo. Sem mãos e pés inchados. Sem o “andar à pinguim” das grávidas de fim de tempo. A dar colo à minha filha até ao final. A ter reuniões e a mandar mails urgentes. Gravidez não é doença e lá andava eu com uma barriga gigante, orgulhosamente (hiper)activa.



    Quando dei por mim na recta final, enviada à pressa para casa porque o líquido amniótico tinha desaparecido e o bebé não estaria a crescer como se esperava, senti-me uma bomba relógio. Pedia ao bebé que nascesse se não estivesse bem. Bebi litros de chá de canela e folha de framboesa, experimentei pontos de acupunctura e posições de yoga para o convencer a sair para o mundo, já que o mundo que ele conhecia até então poderia não estar a dar-lhe o que ele precisava.



    Ele, horrorizado, trepava por mim acima e encaixava-se-me debaixo das costelas, o mais longe que conseguia da porta de saída. Li na altura que os bebés tendem a subir quando se sentem inseguros, aninham-se do lado esquerdo onde está o coração da mãe. Parece que nos rapazes é mais frequente, (o que até pode explicar muita coisa).



    Já eu, desesperava. Afogada num baby blues prematuro e irremediável, passava o dia a chorar. Não. Minto. Não passava o dia só a chorar. Passava-o também a ver este vídeo em que a mãe do Dumbo, enclausurada porque teve um acesso de fúria ao defender o seu bebé das orelhas grandes, o embalava como conseguia, tromba através das grades, enquanto o pequenino chorava. De cortar o coração, eu sei. Na altura, estranhamente, parecia-me a solução óbvia. Passar os meus dias a ver este filme. Era tudo o que eu podia fazer.



    Ainda na barriga prometi-lhe que quando nascesse eu iria ser assim. Uma mãe em estado selvagem, a defender a cria, a dar-lhe colo a todas as horas do dia. Teria mama quando quisesse, alguém para lhe velar as cólicas e os sonos trocados, sempre com um sorriso e paciência, tanto quanto possível, sem desesperar de cansaço. Seria um bebé de ouro, cujos pezinhos só tocariam o chão quando ele quisesse, porque até lá seria transportado ao colo.



    Eu, a mãe macaca. Ele, o bebé filhote.



    Primitivos e felizes, alheios a uma sociedade que espera que os bebés durmam 7 horas, mamem de três em três (mas acordem a tempo de esbanjar sorrisos para as visitas), cheirem sempre bem e não gritem muito, de preferência.



    Na filha número1 ainda houve tentativas para a "domar", habituar às (nossas) rotinas, como se fosse possível fazer de um recém-nascido um adulto responsável, assim em meia dúzia de dias. Sem sucesso, claro. Não vale a pena lutar contra os bebés. As primeiras semanas são de caos absoluto. Mais valia dizerem-nos logo isso e pronto. No filho número dois percebi que a solução para nos entendermos com um bebé está na natureza. A minha costela revolucionária já me devia ter ensinado a não procurar validação em manuais de instruções para bebés.







    Mas o nosso instinto sai sempre reforçado quando encontramos as nossas estratégias improvisadas de maternidade, impressas em formato livro. Encontrei-o aqui. Diz o pediatra Carlos Gonzalez que os nossos bebés actuais choram porque são os sobreviventes de gerações longínquas, os descendentes de bebés antepassados que choravam a plenos pulmões e assim levavam os adultos a não os deixar sozinhos, mercê de predadores e outras ameaças. O choro do bebé é no fundo a emissão de “sinais de alerta”, sob a única forma de que dispõe. O choro do bebé enerva os adultos, fá-los agir no sentido de o acalmar. É esse o objectivo: fazer-nos agir. No meu caso, perceber a biologia das coisas ajudou-me a superar noites infindáveis a tentar aplacar cólicas e desassossegos. A ter calma. A respirar fundo. A não desesperar. A usar métodos antigos como o embalar, cantar canções de ninar, a embrulhá-lo em mantas apertadas e encostá-lo junto a mim para que o bater do coração que ele tanto procurava dentro de mim o acalmasse cá fora neste mundo que ele não conhecia e onde pela primeira vez encontrava a dor.



    No fundo a deixar fluir hormonas. A construir o amor. A transformar este bebé perfeito num filho. O meu filho.



    "... é impossível estragar um bebé dando-lhe muita atenção. Estragar significa prejudicá-lo. Estragar uma criança é bater nela, insultá-la, ridicularizá-la, ignorar o seu choro. Contrariamente, dar atenção, dar colo, acariciá-la, consolá-la, falar com ela, beijá-la, sorrir para ela são e sempre foram uma maneira de criá-la bem, não de estragá-la. Não existe nenhuma doença mental causada por um excesso de colo, de carinho, de afagos... Não há ninguém na prisão, ou no hospício, porque recebeu colo demais, ou porque lhe cantaram canções de ninar demais , ou porque os pais deixaram que dormisse com eles. Por outro lado, há, sim, pessoas na prisão ou no hospício porque não tiveram pais, ou porque foram maltratados, abandonados ou desprezados pelos pais. E, contudo, a prevenção dessa doença mental imaginária, o estrago infantil crónico , parece ser a maior preocupação de nossa sociedade."

    in "Besame Mucho", Carlos Gonzalez





    Fiz há pouco tempo uma tentativa patética de o deixar no infantário. Seria de esperar que, com tanto mimo parental, ele estrebuchasse, estranhasse, recusasse. Mas não. O meu bebé estende os braços para qualquer colo e não recusa ninguém. Não "estranha", embora esteja supostamente na idade de o fazer. Também na escola ficou sossegado, entretido a olhar os brinquedos, a educadora, os outros bebés. O meu bebé de ouro é, para os outros, um bebé banal. E é bom que assim seja, ajuda a equilibrar as perspectivas.





    Eu, do lado de fora, contive-me o mais que pude. A vontade de usar a tromba de elefante para partir o vidro e embalá-lo foi quase mais forte que eu. Voltei a olhar. Ele estava bem. Nitidamente melhor integrado do que eu. Recolhi a tromba e saí de mansinho.





    No caminho ocorreu-me.

    Os bebés de coração cheio, não têm medo de voar. Mesmo que tenham orelhas grandes.

    Publicada por constança"





  • #2
    RE: Vínculo

    O que mais dizer para além de "Lindo" (e já agora muito bem escrito).

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    • #3
      RE: Vínculo

      aiii q texto maravilhoso!!! fiquei c as lagrimas nos olhos!!! (dps das gravidezes fiquei assim..de emoção facil...ehehe)


      [/url]


      o nosso blog
      http://pontodeviragem-rlla.blogspot.com

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      • #4
        RE: Vínculo

        Muito bonito

        não basta ter uma boa história para contar. É preciso saber contá-la

        e quantas de nós não terão também histórias assim?

        BJ

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